10 estratégias para combater a ansiedade

Homem deitado em uma cama, aparentando estar pensativo.

É possível lidar com a ansiedade de forma preventiva usando estratégias baseadas em evidências. Imagem por Kampus Production.

Há evidências significativas de que homens gays podem ser mais vulneráveis a alguns desafios de saúde mental do que a população em geral, como consequência da discriminação, homofobia, dos estigmas que nos acompanham e outros fatores de estresse que enfrentamos como resultado de nossa identidade sexual. 

Estes fatores de estresse cobram um preço alto de nossa saúde mental e bem-estar e aumentam em muito a chance de enfrentarmos vários problemas.

Nossa identidade sexual em si não é realmente o fator que nos faz desenvolvermos problemas de saúde mental como ansiedade, depressão, pânico etc. Mas sim as experiências e os ambientes, as relações e a violência da sociedade homofóbica, preconceituosa e discriminatória em que vivemos.

Claro que tivemos avanços imensos nos últimos anos e, principalmente nas grandes cidades, é bem menos difícil ser gay hoje do que era há 10 anos, por exemplo. 

Mesmo assim, a escalada do conservadorismo que temos visto nos últimos seis ou sete anos criou muitas situações altamente estressoras para todas as pessoas que são diferentes da “norma”, não só homens gays mas todos os LGBTs, pessoas negras, portadores de necessidades especiais e outros.

Pode ser fácil dizer racionalmente que não há nada errado conosco, que ser gay não é uma doença, não é um problema e mesmo assim não é nem simples nem fácil lidar com as consequências de uma vida inteira vivendo em um mundo que sempre nos disse que nosso jeito de ser, desejar e amar é errado.

Ou seja, estamos em maior risco de desenvolvermos problemas de saúde mental não por sermos gays, mas sim por vivermos em uma sociedade tão machista, tão homofóbica, tão opressora que nos fez e nos faz desenvolvermos crenças e medos muito profundos sobre quem nós somos e nos faz, ainda hoje, viver com medo.

Neste texto, eu quero focar especialmente em algumas estratégias para que você possa melhorar sua relação com os seus sintomas ansiosos.

Muito do que se convencionou chamar de transtornos de ansiedade não necessariamente é, na minha visão profissional, um transtorno mental propriamente dito. Eu vejo todos os dias nos meus atendimentos com homens gays que esses sintomas ansiosos se tornaram parte integrante da forma como vemos a vida e como aprendemos a sobreviver às dificuldades que passamos.

Por isso, a abordagem para tratar esses sintomas pode ou não passar por um diagnóstico. Muitos diagnósticos causam mais mal do que bem, pois os pacientes tendem a se explicar através do diagnóstico e ao invés de entendê-lo como uma ferramenta para possibilitar o tratamento o entendem como algo que os explica e resume.

Se você não levar mais nada deste texto, leve isto: você não é seus sintomas. Você não é um diagnóstico ou um transtorno. Você é uma pessoa. Incrivelmente complexa, multifacetada, com uma história difícil de explicar e de entender.

Você é uma longa história. 

E precisamos revisitar muitos episódios desta história, sim. Mas o principal trabalho sempre precisa ser feito no presente e na forma como você está lidando com ele, focado em mudar as formas de enfrentar seus desafios presentes que estão te trazendo sofrimento.

Embora eu não seja um grande adepto nem dos diagnósticos(entendo a importância deles em diversos contextos) e nem das definições do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais(DSM-V), eu considero que a explicação disponibilizada nele para os transtornos de ansiedade é boa e esclarecedora e pode te ajudar a entender melhor o que estiver acontecendo contigo, por isso compartilho um trecho abaixo:

“Os transtornos de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. Medo é a resposta emocional à ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura. Obviamente, esses dois estados se sobrepõem, mas também se diferenciam, com o medo sendo com mais frequência associado a períodos de excitabilidade autonômica aumentada, necessária para luta ou fuga, pensamentos de perigo imediato e comportamentos de fuga, e a ansiedade sendo mais frequentemente associada a tensão muscular e vigilância em preparação para perigo futuro e comportamentos de cautela ou esquiva. Às vezes, o nível de medo ou ansiedade é reduzido por comportamentos constantes de esquiva. Os ataques de pânico se destacam dentro dos transtornos de ansiedade como um tipo particular de resposta ao medo. Não estão limitados aos transtornos de ansiedade e também podem ser vistos em outros transtornos mentais. 

Os transtornos de ansiedade diferem entre si nos tipos de objetos ou situações que induzem medo, ansiedade ou comportamento de esquiva e na ideação cognitiva associada. Assim, embora os transtornos de ansiedade tendam a ser altamente comórbidos entre si, podem ser diferenciados pelo exame detalhado dos tipos de situações que são temidos ou evitados e pelo conteúdo dos pensamentos ou crenças associados.

Os transtornos de ansiedade se diferenciam do medo ou da ansiedade adaptativos por serem excessivos ou persistirem além de períodos apropriados ao nível de desenvolvimento. Eles diferem do medo ou da ansiedade provisórios, com frequência induzidos por estresse, por serem persistentes (p. ex., em geral durando seis meses ou mais), embora o critério para a duração seja tido como um guia geral, com a possibilidade de algum grau de flexibilidade, sendo às vezes de duração mais curta em crianças (como no transtorno de ansiedade de separação e no mutismo seletivo). 

Como os indivíduos com transtornos de ansiedade em geral superestimam o perigo nas situações que temem ou evitam, a determinação primária do quanto o medo ou a ansiedade são excessivos ou fora de proporção é feita pelo clínico, levando em conta fatores contextuais culturais.“

Um dos grandes problemas dos diagnósticos, principalmente de algo como ansiedade, é que a grande maioria das pessoas manifesta sintomas ansiosos com bastante frequência e daí vem a compreensão de que vivemos uma “epidemia de ansiedade”. Na minha visão, vivemos uma época ansiogênica, ou geradora de ansiedade e é difícil escapar disso. O que podemos fazer é subverter a lógica do transtorno e aprender a conviver com nossa forma de manifestar esses sintomas, criando novos significados, caminhos e meios para viver melhor. 

Vamos então às estratégias?

  1. Atividade física. Há evidências científicas muito sólidas de que atividade física regular tem um impacto muito positivo nos sintomas ansiosos. Isso não significa que você precise se exercitar todos os dias, ou fazer um tipo específico de exercício. Mas colocar seu corpo em movimento com frequência tem um impacto enorme no seu bem-estar como um todo. Embora seja quase intuitivo concluirmos que nosso corpo afeta a modulação do que sentimos e pensamos, a maioria das pessoas não vive dessa forma. Quanto melhor você se sentir fisicamente, quanto melhor estiver seu condicionamento físico e seu bem-estar, o impacto na sua saúde mental será proporcional. Isso significa que quem se exercita não tem ansiedade? Não. Mas significa que pessoas com melhor condicionamento físico estão melhor equipadas para combater seus sintomas ansiosos. Algumas caminhadas semanais de 20 minutos podem fazer toda a diferença. O importante é estar em movimento. 
  2. Alimentação. Nos últimos anos têm sido publicados diversos artigos mostrando uma relação entre a saúde intestinal e a saúde do cérebro. Os microrganismos que vivem em nosso sistema digestivo são muito importantes para nossa saúde mental e dietas ricas em sódio, alimentos ultraprocessados(comidas congeladas ou industrializadas, embutidos como presunto, salsicha, linguiças etc) ou industrializados podem ter relações com a deterioração dessas populações de microrganismos o que alguns estudos sugerem ter  uma relação complexa com nossos estados emocionais. É uma ótima ideia repensar seus hábitos alimentares, não para ter alguma dieta idealizada, mas para equilibrar o seu consumo de alimentos industrializados e incluir mais alimentos naturais, probióticos (iogurtes, por exemplo) e que aumentem sua saúde intestinal e física como um todo. Talvez seja uma boa ideia considerar estudar mais sobre nutrição e buscar um nutricionista não apenas quando se quer emagrecer mas melhorar sua relação com sua alimentação. 
  3. Álcool e outras substâncias. As políticas focadas na condenação e proibição do uso de drogas tanto legais quanto ilegais têm fracassado terrivelmente e a um altíssimo custo social. Hoje, já existe a perspectiva de redução de danos, que visa encontrar formas de uso dessas substâncias que sejam menos danosas aos seus usuários. Não é necessário que você abra mão completamente do uso recreativo das substâncias que você preferir. Mas é importante que você leve em consideração se a forma como você está consumindo tem um impacto negativo na sua vida. O álcool, por exemplo, é um depressor do sistema nervoso e é comum que nos dias após seu uso, você se sinta pra baixo, sem energia ou com menos disposição, mesmo que não esteja necessariamente de ressaca. O mesmo acontece com substâncias como a cocaína e mesmo diversas variedades de maconha ou do famoso “prensado” que é a forma mais comum de consumo da erva. Isso significa que a abstinência é a resposta? Não se ela não for interessante para você. Mas talvez uma redução ou modificação no consumo traga melhorias bem significativas na sua qualidade de vida. Se você sentir que não consegue fazer isso sozinho, busque ajuda profissional. Inclusive no SUS, as políticas de redução de danos já estão presentes. 
  4. Sono. A qualidade do seu sono, até mais que o número de horas que você dorme, é instrumental no manejo dos sintomas ansiosos. Nem todo mundo consegue ou precisa dormir exatamente oito horas por noite, mas a relação entre a relação entre problemas de sono como pesadelos, insônia ou sono agitado e a ansiedade são bem documentadas. É importante que você e os profissionais que te auxiliem levem seu sono em consideração e busquem maneiras de melhorar a qualidade dele. Uma boa higiene do sono pode uma diferença importante. Por exemplo, tomar um banho relaxante, arrumar a cama antes de deitar, mudar a iluminação do seu quarto, aromatizar o ambiente, parar de mexer no celular pelo menos 30 minutos antes de deitar, fazer alguma atividade relaxante como ler um livro ou ouvir músicas que te fazem bem, exercícios de respiração… as possibilidades são infinitas. É interessante que embora essas intervenções sejam bem divulgadas, quando eu levanto esse assunto com pacientes novos é impressionante como muitos nunca pensaram em tentar nada disso e já pensam logo em tomar algum remédio para dormir. Eu não tenho nada contra eles, mas é importante tentar outras coisas antes e inclusive enquanto os estiver usando. Converse com seu médico e seu psicólogo sobre alternativas e ideias.
  5. Gestão do estresse. Essa é a mais difícil de todas, porque naturalmente está no centro do que nos causa ansiedade. Em minha experiência profissional, o primeiro passo é entender as razões pelas quais nos estressamos. É fácil dizer que você se estressa porque tem menos dinheiro do que gostaria, mas será que o motivo não é ainda mais profundo? É possível que as preocupações com dinheiro ecoem problemas antigos e medos relacionados a instabilidade, inseguranças e mudanças, por exemplo. Que você sinta que seu valor como pessoa está relacionado a quanto dinheiro você faz e isso engatilhe sua ansiedade. E por aí vai. Entender os motivos por trás do seu estresse é muito importante para desenvolver estratégias eficazes para enfrentá-lo. Assim, podemos agir na raiz do problema e não apenas no sintoma.
  6. Prazer. Em minha experiência como psicólogo clínico fica claro como nós homens gays acreditamos que entendemos de prazer mas vivemos tão pouco prazer de verdade. Nossa ideia de prazer em geral está ligada a ter uma semana incrivelmente estressante e geradora de ansiedade e depois passar o fim de semana nos divertindo da forma mais excessiva possível, com bebidas, saídas e sexo. Ou até mesmo maratonando séries por 10, 12 horas em um dia. Alguma dessas atividades é errada? Não mesmo. Mas é importante que a nossa vivência de prazer não se resuma ao fim de semana. Precisamos desenvolver a habilidade de viver o prazer no nosso cotidiano. E isso pode ser feito com uma reeducação da nossa percepção da realidade, da nossa capacidade de se assombrar com o comum, com o simples, com o rotineiro. Com o desenvolvimento de hobbies ou interesses variados, com o apreciando ou produzindo arte, realizando atividades que nos relaxam mas também nos desenvolvem em nossa subjetividade (com que frequência sua escolha do que assistir é direto naquele programa ou filme que não te faz pensar?). Até mesmo na sua vida sexual, com que frequência você se pega se masturbando ou transando exatamente da forma que você já sabe que vai te fazer gozar mais rápido? Com que frequência você vive sua sexualidade indo direto naquilo que você já sabe que te dá prazer, sem experimentar novas possibilidades? Experimentar com seu prazer nem sempre precisa envolver tentar um novo fetiche, fantasia ou brinquedo sexual. Pode simplesmente prestar mais atenção no toque, na carícia, no beijo. Olhar de forma diferente para a pessoa a sua frente e se perguntar: o que mais é possível? E testar. Explorar seu prazer, em todos os sentidos e aspectos da sua vida, é uma das formas mais poderosas de combater sua ansiedade.
  7. Relacionamentos. Uma parte significativa dos sintomas ansiosos de homens gays, em minha experiência, vem das interações sociais e das relações interpessoais. Desde a pressão absorvida socialmente para performar certos comportamentos, até os impactos da homofobia, passando por relações familiares, ambientes de trabalho adoecedores e a sensação de não ter relações satisfatórias. É muito importante que você olhe de forma honesta para suas relações e busque entender quais delas estão contribuindo para seu adoecimento. E ao perceber quais delas estão te fazendo mal, comece a pensar em estratégias para modificar as dinâmicas ou situações nocivas ou mesmo buscar relações diferentes. É claro que não é fácil conseguir isso e talvez você precise buscar ajuda, mas é sim essencial entender de onde vem o problema.
  8. Autocuidado. Para a maioria dos homens gays que eu conheço, autocuidado é fazer skincare e se propor a fazer dieta e musculação. Autocuidado é olhar pra sua vida com honestidade e carinho e se propor a fazer o que é possível, realista e sustentável para mudar para melhor. Quase nunca é necessário fazer mudanças grandes e bruscas. E geralmente as pequenas mudanças são as mais sustentáveis e com mais impactos no longo prazo.
  9. Busque ser realista. Muitos sintomas ansiosos vem de medos, cobranças e expectativas totalmente fora do que é realista ou mesmo possível. É difícil definir isso por conta própria mas é um exercício constante desafiar nossos próprios pensamentos e crenças e trazê-los de volta para o que eu gosto de chamar do “âmbito do possível”: aquilo que dá pra fazer, aqui e agora, com quem somos, com o que temos, sem esperar que nada novo ocorra para entrarmos em movimento (ou encerrarmos um movimento). 
  10. Fazer terapia com um psicólogo. Ao contrário do que tem sido cada vez mais comum acreditar, “terapia em dia” não é um remédio para todos os males. Mas ter o acompanhamento de um psicólogo bem preparado para lidar com suas questões, com quem você tem uma relação de confiança e que utilize intervenções atualizadas e adaptadas à sua realidade, faz toda a diferença do mundo. Eu lido com homens gays com os mais diversos sintomas ansiosos todos os dias e juntos encontramos caminhos pensados especificamente para a realidade de cada um, com resultados lindos de ver.

Essas 10 possibilidades para enfrentar seus sintomas ansiosos estão longe de ser as únicas. Eu intencionalmente omiti por exemplo o uso de medicações e não por ser contra eles. Eu acredito que o uso responsável de medicações com o acompanhamento de um psiquiatra competente pode ser muito positivo. Mas eu acredito que até mesmo a decisão de iniciar a medicação dificilmente deve ser a primeira alternativa. A minha experiência tanto pessoal quanto profissional, além da farta evidência científica disponível me levam a acreditar que você pode sim iniciar muitas dessas mudanças por conta própria com resultados muito positivos mas é claro que é muito útil ter o apoio de um profissional de saúde mental capacitado, o Psicólogo, para te ajudar nisso. E caso você queira conversar comigo sobre isso, estou à disposição, basta me mandar uma mensagem clicando aqui

Vamos juntos?

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